segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Reflexões minimalistas



Filosoficamente, o minimalismo pode ser entendido como uma extensão do princípio de Occam, que recomenda que não devemos multiplicar as entidades sem necessidade. Se não podemos justificar a necessidade de algo, para quê produzi-lo ou comprá-lo? O princípio de Occam é, sem dúvidas, um apelo à humildade e à simplicidade. Esse princípio não afirma que tudo deve ser reduzido a sua forma mais simples, mas sim que não devemos aumentar a quantidade ou a complexidade das coisas sem uma boa justificativa para isso. Dessa forma, o minimalismo incentiva que priorizemos o essencial ao supérfluo, o simples ao complicado, o importante ao desnecessário.

Há muitos sites em português dedicados ao minimalismo como filosofia e estilo de vida, então quem se interessar pode dar uma olhada. Gostaria de aproveitar para contar uma história pessoal em que coloquei em prática essa filosofia.

Uma das formas em que usei o minimalismo está relacionada com meu gosto pela leitura. Depois de anos comprando em livrarias, cheguei a ter uma coleção de mais de quatrocentos livros, o que acabou se tornando um grande problema de espaço em casa. Até que me dei conta de que não tinha sentido acumular tantos exemplares, comprados de forma um pouco compulsiva, alguns dos quais eu nem sequer tinha a intenção de ler novamente. Então comecei a presentear, doar ou vender todos os livros que não eram especialmente relevantes para mim ou os que já tinha uma cópia de boa qualidade em formato digital, chegando a reduzir o número pela metade. Neste ano, limitarei minha coleção física a cem exemplares. A maioria dos livros que mantive são no formato reduzido ou edição de bolso, o que resolveu satisfatoriamente o problema de espaço, ainda que não se trate apenas de uma questão de espaço. Sou muito apaixonado pela leitura, mas a energia e o tempo são limitados e deve-se focar no que importa. Aliás, falando em leitura, se alguém procura livros em espanhol/português sobre veganismo e filosofia animalista em geral, pode encontrar uma lista clicando aqui.

Talvez alguns leitores estejam pensando "por que está nos contando sobre sua vida pessoal se viemos aqui ler sobre veganismo?" — e com razão. Há alguma relação entre veganismo e minimalismo? Acredito que possamos encontrar alguma. Ser praticante do minimalismo não obriga nem leva ao veganismo, apesar desse ser uma postura muito compatível e convergente àquele.

Algumas pessoas argumentam que a ótica minimalista leva ao veganismo visto que os dados indicam que praticar o veganismo significa consumir menos recursos naturais em comparação à exploração animal, e também implica em menos animais sofrendo e morrendo em razão de nosso consumo. Esse raciocínio faz sentido desde um ponto de vista puramente empírico, mas nem tanto a partir de um ponto de vista moral, porque, como já argumentado em ensaios anteriores, o veganismo é um princípio ético, não um determinado comportamento. Claro que adotar o veganismo obriga, logicamente, a não consumir produtos de origem animal e a não utilizar os animais, mas ainda que a consequência da prática do veganismo fosse o contrário do que é em realidade — ou seja, que sua execução supostamente implicasse em maiores gastos de recursos naturais, ou na morte de mais animais por causa da agricultura — o veganismo continuaria sendo nossa obrigação moral de qualquer maneira.

Nossa primeira obrigação moral é não tratar os seres conscientes como simples meios para nossos fins. Depois disso, também deveríamos nos preocupar em reduzir e evitar os danos que lhes causamos ao viver, que incluem danos acidentais ou indiretos, como a poluição. O princípio de evitar o dano está subordinado ao princípio de respeitar os seres dotados de sensibilidade como pessoas, e não ao contrário. Se não reconhecemos os seres conscientes previamente como pessoas, então nem sequer teríamos racionalmente uma obrigação moral de tentar evitar causar-lhes sofrimento.

Em diversas ocasiões, deixou-se claro que o veganismo é o mínimo — e não o máximo — que podemos fazer pelos animais, no sentido de que o veganismo se trata de uma questão de ética básica. Poderíamos dizer que se trata de um minimalismo moral. Por outro lado, se levarmos em consideração que, no geral, não precisamos usar os animais para viver e desfrutar de saúde e de uma boa qualidade de vida, significa que estamos condicionando os interesses básicos e vitais dos animais para satisfazer nossos caprichos e frivolidades. Isso é claramente contrário ao minimalismo, se de fato entendermos minimalismo como a priorização do essencial frente ao trivial. Entretanto, esse enfoque é, em realidade, mais relacionado com o humanitarismo do que com o veganismo.

Há outra perspectiva minimalista mais compatível com o veganismo baseada na ideia de que se a violência é algo moralmente mau, então devemos evitá-la, e parece claro que, ao incorporar o veganismo, vivemos uma vida menos violenta no que diz respeito aos animais, dado que nos recusamos a tratá-los como objetos e recursos. Há uma relação entre veganismo e não-violência. O veganismo não implica nada além disso, mas se renunciarmos a crença de que os animais são objetos para nosso benefício e reconhecermos que eles são sujeitos de direitos, tal base moral é o fundamento e a motivação para expandir nossa consideração moral a outros âmbitos e comportamentos que também impactam os animais, mesmo que não impliquem em sua utilização.

Com relação ao minimalismo, finalizo a publicação aqui. Desejo a todos um ano feliz e vegano.


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